16 de março de 2011

UM PAR DE ÓCULOS ESCUROS



Pediram-me para narrar uma história, mas confesso que neste preciso momento, não tenho muita imaginação…
Numa tentativa frustrada para inventar um conto, procurei falar com António Torrado, pois julguei que este perceberia a situação, e como já tinha escrito contos sobre a imaginação talvez fosse a pessoa certa. Falei com a sua assistente, mas não fui muito bem recebida visto que à sua imagem um senhor tão ocupado como este não tinha tempo a perder com pessoas da minha idade, especialmente sobre um tema tão insignificante como aquele que eu queria tratar: a imaginação.
Saí irritada e a pensar o quão limitada devia ser a senhora, e como um escritor de renome no seu perfeito juízo poderia contratar alguém assim… sem ofensa!
Decidi ir passear à beira do Tejo e vislumbrar as pequenas embarcações a flutuar na parte do rio, onde já podemos chamar mar. Aquelas que parecem flores de lótus, tão frágeis que uma pessoa até tem vontade de ali ficar a perscruta-las sem dar tréguas, à espera que talvez um agricultor experiente em ceifar o trigo, tire a vida àquele pequeno ser que tanto luta para viver, e então, boiaria mais uns minutos, até que uma corrente demasiado forte o levasse para as profundezas…
Farta de um ritual monótono fui sentar-me. Estava entretida com os meus “cálculos” e pensamentos, quando alguém se sentou ao meu lado. Quando o fitei percebi que se tratava de um homem de certa idade, com um par de óculos escuros como breu. Girou lentamente a cabeça, o rosto pálido para mim e começou a dialogar:
- Não me digas a tua idade, o teu nome pois isso são somente pormenores que em nada se reflectem na alma… Sei que precisas de algo e acho que mesmo sendo cego te posso ajudar! – disse em tom poético.
Após uma reflexão rápida dos métodos de sobrevivência humana, na escola, perguntei:
- Desculpe, mas por que julga que necessito de ajuda?
- Posso não ver mas sinto. Digamos que tu estás com algumas dificuldades em escrever sobre a imaginação… Tu sabes do que se trata, mas como muitas das vezes preferes coisas pouco alegres, coisas escuras de cores mortiças perdeste-te na questão! Peço que não me faças perguntas, pois apesar de ainda nem todas as questões te tenham surgido na mente, eu já as sei, inclusive as inúmeras respostas que te terei de dar… - referiu num tom melancólico – Agora ouve com atenção: o Passado é uma memória, o Presente uma dádiva e o Futuro uma incógnita. És capaz de me dizer onde encontras a imaginação?
- Talvez no Futuro?! – disse num tom de tentativa erro, mas que na minha cabeça formava uma certa teoria da conspiração e perseguição.
- Lamento mas não! A imaginação encontra-se no passado, pois lembra-te é bom ser-se sonhador, criativo e imaginativo, mas não tenhas crença no sonho, pois sem trabalho árduo nada se torna realidade. Muitas das vezes, a imaginação é como um porto de abrigo para o náufrago, e é aqui que tens o retrato perfeito da imaginação: pensa que és um náufrago, encolhido numa praia de um areal encantador. Levantaste, sorris e… -interrompido como que seu objectivo deixou-se levar…
- … sem um único lamento, e com o vento rude demais para me entristecer, corro ao longo da praia a cantarolar como se me estivesse a libertar de um peso tão profundo que é a vida. Subitamente apetece-me acreditar naquilo que sempre me pareceu ser mais uma das inúteis infantilidades presentes no mundo: por que não crer, que uma heroína ou um detective ser? Por que não me fiar que ali à esquina está um caranguejo a dançar, que provavelmente me poderá ensinar a talvez Hip-Hop dançar? Talvez fazer parte de um jogo de consola a passar de nível em nível, ou aprender inglês com a Dr.ª Ostrich que num reino distante me irá instruir! Posso visitar a Rainha de Copas, só para mudar de cenário ou então salvar o meu país da desgraça; falar com o Primeiro-ministro e umas boas sentenças debitar?!... – a partir daqui continuei incansavelmente, parecia que finalmente encontrara a meta da minha corrida.
Enquanto eu continuava de olhos fechados com um ar sonhador, o meu “mestre” levantou-se, tirou os óculos escuros e colocou-os ao meu lado, no banco de jardim. Depois falou uma última vez, apesar de eu não saber:
- Parabéns, parece que já sabes o que é imaginar… Não abras os olhos por favor, não interrompas o teu raciocínio! – rabiscou qualquer coisa colocou-a ao pé dos óculos escuros. Como poderia ser cego? Afastou-se lentamente com a graciosidade de um ser celestial e finalmente desapareceu.
Quando acabei a minha citação reparei finalmente, que o senhor já não estava ali. Olhei com um certo desdém para os óculos e julguei ter sido enganada, observei-os então ao pormenor: por baixo deles encontrava-se uma mensagem:
“Se por momentos não a conseguires ver, fecha os olhos. No espelho da imaginação tudo acontece como queremos... Coloca os óculos e deixa-te ir, nunca se sabe até onde a viagem te poderá levar…”


Fui para casa redigir esta mesma história, leitor, e devo deixar ao teu critério a continuação do meu conto e o significado dos óculos que eu uso numa noite escura como breu à espera que talvez aquele anjo regresse para me guiar…

Inês Coelho

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